MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AMAZÔNIA
Carlos A Nobre
Gilvan Sampaio
Luis Salazar
Gilvan Sampaio
Luis Salazar
As influências do homem no equilíbrio natural do
planeta atingiram magnitude sem precedentes. As mudanças climáticas
antropogênicas estão associadas às atividades humanas com o aumento da emissão
de gases de efeito estufa, de queimadas, com o desmatamento, a formação de
ilhas urbanas de calor, etc. A Amazônia desempenha um papel importante no ciclo
de carbono planetário, e pode ser considerada como uma região de grande risco
do ponto de vista das influências das mudanças climáticas. Segundo Salati
(2001), o atual equilíbrio dinâmico da atmosfera amazônica está sujeito a
forças de transformação que levam às variações climáticas e podem ser estudadas
sob três diferentes aspectos:
1.
Variações climáticas na região podem ser devidas às variações climáticas globais,
decorrentes de causas naturais. Essas
mudanças estão relacionadas com variação da intensidade solar, variações da
inclinação do eixo de rotação da Terra, variações da excentricidade da órbita
terrestre, variações das atividades vulcânicas e variações da composição
química da atmosfera, entre outras. Existem registros bem documentados sobre as
oscilações climáticas na Amazônia ocorridas durante as glaciações e também de
variações mais recentes da temperatura local. Os efeitos do El Niño, que é um
fenômeno natural, podem estar incluídos dentro dessa categoria. O tempo de
resposta às forças modificadoras pode ser em um período anual, de décadas e
milênios. Não há muita coisa que a sociedade possa fazer contra essas
tendências a não ser se preparar para minimizar seus efeitos quando houver
possibilidade de previsões científicas, como é o caso específico das variações
climáticas decorrentes do El Niño e La Niña.
2.
Mudanças climáticas de origem antrópicas, decorrentes de alterações do uso da
terra dentro da própria região amazônica. Tais
alterações estão ligadas diretamente ao desmatamento de sistemas florestais
para transformação em sistemas agrícolas e/ou pastagem, o que implica em
transferência de carbono (na forma de dióxido de carbono) da biosfera para a atmosfera,
contribuindo para o aquecimento global, o qual por sua vez acaba atuando sobre
a região amazônica. Evidências de estudos observacionais e estudos de modelagem
(como por exemplo: Nobre et al., 1991; Betts et al., 1997, 2000; Chase et al.,
2000; Zhao et al., 2001) demonstraram que mudanças na cobertura superficial
podem ter um impacto significativo no clima regional e global. Evidências de
trabalhos paleoclimáticos e de modelagem indicam que essas mudanças na
vegetação, em alguns casos, podem ser equivalentes àquelas devidas ao aumento
do CO2 na atmosfera (Pitman and Zhao, 2000).
3.
Variações climáticas decorrentes das mudanças climáticas globais provocadas por
ações antrópicas. Se as tendências de crescimento
das emissões se mantiverem, os modelos climáticos indicam que poderá ocorrer
aquecimento até acima de 6ºC em algumas regiões do globo até o final do século
XXI. É provável que a temperatura média global durante o século XXI aumente
entre 2,0ºC a 4,5ºC, com uma melhor estimativa de cerca de 3,0ºC, e é muito
improvável que seja inferior a 1,5ºC. Valores substancialmente mais altos que
4,5ºC não podem ser desconsiderados, mas a concordância dos modelos com as
observações não é tão boa para esses valores (IPCC, 2007). Conclui-se que,
mesmo no cenário de baixas emissões de gases do efeito estufa (cenário B1), as
projeções dos diversos modelos do IPCC indicam aumento da temperatura,
sobretudo no Hemisfério Norte.
Recentemente Ambrizzi
et al. (2007), utilizando três modelos regionais que foram integrados
numericamente para a América do Sul, a partir de dados iniciais obtidos do
modelo climático global do Hadley Centre, concluíram que para o período
2071-2100, em relação ao período 1961-1990, o maior aquecimento ocorrerá na
Amazônia com aquecimento entre 4-8ºC para o cenário A2 de emissões de gases de
efeito estufa e de 3-5ºC para o cenário B2. Em relação à precipitação, o
cenário B2 apresenta diminuição da precipitação no norte e em parte do leste da
Amazônia, enquanto que o cenário A2 apresenta diminuição da precipitação no
norte, leste e região central da Amazônia.
A partir do Relatório
da Quarta Avaliação do IPCC (IPCC 2007), há maior certeza nas projeções dos
padrões de aquecimento e de outras características de escala regional,
inclusive das mudanças nos padrões do vento, precipitação e alguns aspectos dos
eventos extremos e do gelo. A associação entre eventos extremos de tempo e
clima observados e as mudanças do clima é recente. As projeções do IPCC (2007)
indicam um maior número de dias quentes e ondas de calor em todas as regiões
continentais, principalmente em regiões nas quais a umidade do solo vêm
diminuindo. Há ainda projeções de aumento da temperatura mínima diária em todas
as regiões continentais, principalmente onde houve retração de neve e de gelo.
Além disso, dias com geadas e ondas de frio estão se tornando menos freqüentes.
De acordo com o IPCC
(2007), o aquecimento global pode levar a mudanças nos padrões de variabilidade
de grande escala oceânica e atmosférica. Por exemplo, as projeções de diversos
modelos indicam eventos El Niño-Oscilação Sul (Enso) mais intensos e há
evidências observacionais que suportam essa projeção (Boer et al., 2004). O
Enso está associado com algumas das mais pronunciadas variabilidades
interanuais dos padrões climáticos em muitas partes do mundo.
AQUECIMENTO
GLOBAL, VARIABILIDADE NATURAL E EL NIÑO As
análises de diversos modelos climáticos globais indicam que com o aumento da
temperatura global, devido ao aumento dos gases do efeito estufa, o clima do
Pacífico tenderá a ficar parecido com uma situação de El Niño (Knutson and
Manabe, 1995; Mitchell et al., 1995; Meehl and Washington, 1996; Timmermann et
al., 1999; Boer et al., 2000). Entretanto, as razões para tal semelhança são
variadas, e dependem da representação de processos físicos e parametrizações
nos modelos (IPCC, 2007).
Para a Amazônia,
estudos como Ropelewski and Halpert (1987, 1989), Marengo (1992, 2004), Uvo et
al. (1998), Ronchail et al. (2002) e muitos outros identificaram que anomalias
negativas de precipitação no centro, norte e leste da Amazônia são em geral
associadas com eventos de El Niño-Oscilação Sul (Enso) e anomalias de TSM no
Atlântico tropical. Esses estudos ressaltaram que algumas das maiores secas na
Amazônia foram devidas a: 1. a ocorrência de intensos eventos de El Niño; 2.
forte aquecimento das águas superficiais do Atlântico tropical norte durante o
verão-outubro no Hemisfério Norte; ou 3. ambos (Marengo et al., 2007). A variabilidade
das anomalias de TSM no Pacífico tropical é responsável por menos de 40% da
variabilidade da precipitação na bacia amazônica (Marengo, 1992; Uvo et al.,
1998; Marengo et al., 2007), o que sugere que os efeitos de outras fontes de
variabilidade, tais como o gradiente meridional de TSM no Atlântico
intertropical (que afeta principalmente a região norte e central da Amazônia),
ou processos de superfície e grande freqüência de transientes do Atlântico Sul
(importante para o sul da Amazônia) podem ser também importantes na
variabilidade inter-anual da precipitação na região (Marengo et al., 2003;
Ronchail et al., 2002; Marengo et al., 2007).
MUDANÇAS
DOS USOS DA TERRA E CLIMA Com respeito às
modificações de temperatura para a Amazônia, segundo Nobre (2001), nota-se que
a projeção de aumento de temperatura global segue a mesma tendência de aumento
de temperatura à superfície devido ao desmatamento. As várias simulações dos
efeitos climáticos da substituição da floresta por pastagens na Amazônia (por exemplo:
Dickinson e Henderson-Sellers, 1988; Shukla et al., 1990; Lean e Warrilow,
1989; Nobre et al., 1991; Henderson-Sellers et al., 1993; Manzi e Planton,
1996; Hahmann e Dickinson, 1997; Costa e Foley, 2000; Rocha, 2001; Werth e
Avissar, 2002; Voldoire e Royer, 2004; Correia, 2005 e Sampaio et al., 2007) e
as observações dos projetos Abracos (Gash et al., 1996; Gash and Nobre, 1997) e
LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia) indicam
que há um aumento da temperatura entre 0,3ºC e 3ºC, redução da
evapotranspiração entre 15% e 30% e os estudos numéricos indicam redução da
precipitação entre 5% e 20% devido à mudança de vegetação de floresta para
pastagem. Este aumento de temperatura é comparável àquele projetado para o
cenário B1, mas bem inferior àquele previsto para o cenário A2 para o final do
século XXI. Provavelmente os efeitos de aumento de temperatura induzidos pelas
mudanças globais e aqueles advindos dos desmatamentos se somariam, aumentando o
risco de incêndios florestais porque o secamento da vegetação na estação seca e
sua flamabilidade são maiores com temperaturas mais altas. (Nepstad et al.,
1999). Adicionalmente, Schneider et al. (2006) encontraram que o
desflorestamento da Amazônia levaria a um aumento da variabilidade do Enso e um
aquecimento médio anual no Pacífico equatorial leste. Esse aumento da
variabilidade do Enso estaria relacionado com um aumento da temperatura da
superfície na região desflorestada que levaria a mudanças no padrão de vento
próximo à superfície, que se estenderiam até o Pacífico e Atlântico e afetariam
o vento superficial sobre o oceano, com anomalias de oeste no Pacífico leste.
Em resumo, para a Amazônia os aumentos projetados de temperatura atuariam como
feedback positivo e aumentariam a suscetibilidade dos ecossistemas amazônicos
às mudanças climáticas globais devido ao aumento do efeito estufa, e regionais
devido ao desmatamento.
MUDANÇAS
DOS USOS DA TERRA E HIDROLOGIA O
efeito do desmatamento e das mudanças climáticas afeta o ciclo hidrológico em
todas as escalas de tempo: em escalas de tempo de dias a meses, levam a
mudanças na incidência de inundações; em escalas de tempo sazonais a
interanual, mudanças nas características da seca é a principal manifestação
hidrológica; e em escalas de anos a décadas, as teleconexões nos padrões de
circulação global atmosférica, ocasionadas pela interação oceano-atmosfera,
afetam a hidrologia de algumas regiões, especialmente nos trópicos, por
diferentes eventos, entre eles o El Niño (Nijssen et al., 2001). A mudança
climática representa um risco para o ciclo hidrológico na Amazônia, uma vez que
o aumento de temperatura provocará uma maior evaporação e maior transpiração
das plantas, o que levará a uma aceleração do ciclo hidrológico (Case, 2006).
Se, além disso, a precipitação diminuir durante a estação seca, o impacto das
mudanças climáticas no regime hidrológico na Amazônia será ainda mais agravado
(Nijssen et al., 2001). A intensa seca ocorrida, no sudoeste da Amazônia em
2005, teve fortes impactos na navegação, agricultura, geração de
hidroeletricidade, e afetou de forma direta e indireta a população ribeirinha
de grande parte da Amazônia (Marengo et al., 2006).
AQUECIMENTO
GLOBAL E AMAZÔNIA Desde a publicação do Terceiro
Relatório de Avaliação do IPCC e particularmente para o Quarto Relatório (IPCC
2007), há uma compreensão cada vez melhor dos padrões projetados de
precipitação. É muito provável que ocorra aumento da quantidade de precipitação
nas altas latitudes, enquanto que reduções são prováveis na maior parte das
regiões continentais subtropicais (em até cerca de 20% no cenário A1B em 2100),
continuando os padrões observados nas tendências recentes. Entretanto, há ainda
muita incerteza em relação às possíveis mudanças na precipitação pluviométrica em
escala regional. De acordo com Li et al. (2006), os modelos climáticos globais
do Intergovernmental Panel on Climate Change Fourth Assessment Report (IPPC
AR4) prevêem diferentes padrões da precipitação na Amazônia sob a influência do
cenário SRES A1B para a mudança climática global. Cinco de onze modelos
estudados prevêem um aumento da precipitação anual, três modelos prevêem um
decréscimo na precipitação e os outros três não indicam padrão significativo de
mudança da precipitação na Amazônia. Incertezas nos padrões previstos de
mudanças na TSM no Pacífico e Atlântico tropicais, representação de nuvens e
feedbacks da superfície na Amazônia são as principais fontes das incertezas na
previsão de mudanças na precipitação da Amazônia. Por outro lado, as projeções
do IPCC (2007) indicam que é muito provável que haja um aumento da intensidade
da precipitação em diversas regiões, sobretudo na região tropical. Além disso,
há projeções de secas generalizadas em regiões continentais durante o verão.
Na Amazônia, a precipitação
é sensível às variações sazonal, interanual e decadal da TSM (Fu et al., 2001;
Liebmann and Marengo, 2001; Marengo, 2004). O aquecimento do Pacífico tropical
leste durante eventos El Niño suprime a precipitação da estação chuvosa através
da modificação da circulação de Walker (leste-oeste) e via os extratrópicos no
Hemisfério Norte (Nobre and Shukla, 1996). Variações na precipitação da
Amazônia são também conhecidas por estarem relacionadas às TSMs no Atlântico
tropical (Liebmann and Marengo, 2001). Um aquecimento do Atlântico tropical
norte relativo ao sul leva a uma mudança para o norte e oeste da Zona de
Convergência Intertropical (ZCIT) e subsidência compensatória sobre a Amazônia
(Fu et al., 2001). As TSMs no Atlântico também exercem uma grande influência na
precipitação da estação seca (julho-outubro) no oeste da Amazônia pelo atraso
no início da Monção da América do Sul (Marengo et al., 2001; Harris et al.,
2006).
Eventos extremos,
como a seca de 2005 no oeste e sudoeste da Amazônia, num cenário futuro de
aumento de CO2 e diminuição de aerossóis, podem se tornar mais freqüentes. É
provável que um aumento na temperatura da superfície do mar no Atlântico norte
tropical tenha sido a causa da seca de 2005 na Amazônia, já que havia a
ausência de episódio El Niño. Isso implicou numa diminuição da intensidade dos
ventos alísios de nordeste e do transporte de umidade do Atlântico tropical em
direção a região amazônica. Segundo Marengo et al. (2007) as causas da seca
ocorrida na Amazônia em 2005 não estão relacionadas ao El Niño, mas a três
possíveis fatores: (1) o Atlântico norte tropical anomalamente mais quente do
que o normal, (2) a redução na intensidade do transporte de umidade pelos
alísios de nordeste em direção ao sul da Amazônia durante o pico da estação de
verão, e (3) a diminuição do movimento vertical sobre esta parte da Amazônia,
resultando num reduzido desenvolvimento convectivo e reduzida precipitação.
Esses três fatores são dinamicamente consistentes na medida que águas mais
quentes no oceano Atlântico tropical norte induziriam movimentos ascendentes
atmosféricos sobre essa região, com abaixamento da pressão atmosférica, e
movimentos descendentes compensatórios sobre a região da seca no oeste-sudoeste
da Amazônia, e conseqüente aumento da pressão atmosférica. Esse padrão de
anomalias de pressão reduziria a intensidade dos ventos alísios transportando
umidade do oceano para a Amazônia.
VARIABILIDADE
CLIMÁTICA E INCÊNDIOS FLORESTAIS Quando
a floresta é sujeita a períodos anomalamente secos, aumenta a probabilidade de
ocorrência de queimadas que podem destruir centenas de milhares de hectares de
floresta e injetar na atmosfera grandes quantidades de fumaça e aerossóis que
poluem o ar em extensas áreas, afetando a população e com potencial de afetar o
início da estação chuvosa e a quantidade de chuva na região (Andreae et al.
2004). Considerando os cenários de mudança climática do modelo do HadCM3 para o
IPCC/AR4, a duração da estação seca poderia aumentar em até dois meses ou mais
na maior parte da Amazônia, o que levaria ao aumento da estação seca dos atuais
3-4 meses para 5-6 meses na Amazônia central e oriental. Esse aumento da
estação seca implicaria num aumento do risco da ocorrência de queimadas e
mudança na climatologia da chuva o que favoreceria a substituição da floresta
por savana (Li et al., 2006). Esses impactos ecológicos afetam a possibilidade
de manejo sustentável da floresta na região, o que é uma premissa básica para a
economia regional (Brown et al., 2006).
O risco dos impactos
das mudanças climáticas na Amazônia aumenta ainda mais quando somamos ao
aquecimento global as alterações de vegetação resultantes das mudanças dos usos
da terra, notadamente os desmatamentos das florestas tropicais e dos cerrados.
Um outro fator importante é o fogo, pois a floresta densa amazônica era
praticamente impenetrável ao fogo, mas devido à combinação da fragmentação
florestal, desmatamentos e aquecimento em razão dos próprios desmatamentos e
devido ao aquecimento global, aliada a prática agrícola predominante que
utiliza fogo intensamente, esse quadro está rapidamente mudando e a freqüência
de incêndios florestais vem crescendo a cada ano. Com isso, é quase certo que
acontecerão rearranjos importantes nos ecossistemas e mesmo redistribuição de
biomas. A assombrosa velocidade com que tais alterações estão ocorrendo, em
comparação àquelas dos processos naturais em ecossistemas, introduz séria
ameaça à mega-diversidade de espécies da flora e da fauna dos ecossistemas, em
especial da Amazônia, com o provável resultado de sensível empobrecimento
biológico (Nobre et al, 2005).
MUDANÇAS
CLIMÁTICAS, BIOMAS E BIODIVERSIDADE Segundo
Nobre (2001), para a Amazônia, se houver redução de precipitações induzidas
pelas mudanças climáticas globais, estas se somam às reduções previstas como
resposta ao desmatamento (Nobre et al., 1991), aumentando sobremaneira a
suscetibilidade dos ecossistemas amazônicos ao fogo e causando a redução das
espécies menos tolerantes à seca, podendo até induzir uma "savanização"
de partes da Amazônia. Para a América do Sul tropical, tomando-se uma média
dessas projeções de aumento de temperatura, constata-se a projeção do aumento
da área de savanas e uma diminuição da área de caatinga no semi-árido do
Nordeste do Brasil. Salazar et al. (2007) calcularam, utilizando cenários
climáticos de 15 modelos climáticos globais do IPCC-AR4, as áreas onde o
consenso dos modelos (> 11 modelos) indicam mudanças nos biomas na América
do Sul tropical nos cenários A2 e B1 de emissões de gases de efeito estufa.
Para o período 2020-2029, 3.1% da floresta tropical seria substituída por
savana, e para finais do século (2090-2099) a área que será substituída aumenta
para 18% no cenário A2. Esta mudança nos biomas, devido ao aquecimento global,
ocorre principalmente no sudeste da Amazônia, região esta que coincide com uma
zona que teoricamente apresenta dois estados de equilíbrio vegetação-clima: 1.
o primeiro que corresponde ao padrão de vegetação atual com a maior parte da
Amazônia recoberta por floresta tropical e 2. um segundo estado de equilíbrio,
onde a parte leste da Amazônia é substituída por savanas (Oyama e Nobre, 2003).
Isso tem repercussões muito importantes, já que a mudança climática pode ser um
dois fatores que poderiam levar o sistema de um estado de equilíbrio para outro
no leste da Amazônia. Outros estudos também apontam para redução das áreas de
floresta (White et al., 1999; Cramer et al., 2001; Scholze et al., 2006; Cook
and Vizy, 2007) ou seu completo colapso (Jones et al., 2003; Cox et al., 2004)
Em Scholze et al.
(2006), o risco de perda da floresta em algumas partes da Amazônia é de mais de
40% para os cenários que apresentam uma anomalia de temperatura maior que 3ºC.
Por outro lado, se houver tendência ao aumento das precipitações, estes
atuariam para contrabalançar a redução das chuvas devido ao desmatamento e o
resultado final seria mais favorável à manutenção dos ecossistemas e espécies.
Adicionalmente,
alguns estudos têm mostrado que o estômato da planta abre menos com altas
concentrações de CO2 (Field et al., 1995), o que reduz diretamente o fluxo de
umidade da superfície para a atmosfera (Sellers et al., 1996). Isto pode
aumentar a temperatura do ar próximo da superfície pelo aumento da razão entre
o fluxo de calor sensível e fluxo de calor latente. Numa região como a
Amazônia, onde muito da umidade para a precipitação advém da evaporação à
superfície, a redução da abertura estomatal pode também contribuir para um
decréscimo na precipitação (Betts et al., 2004).
Se grandes áreas da
Amazônia forem substituídas por savana, a aridez poderá aumentar já que a
vegetação adaptada ao fogo tem uma menor transpiração. Em Scholze et al. (2006)
conclui-se que é provável uma maior freqüência de fogo (risco > 60% para
temperatura > 3ºC) em muitas zonas da América do Sul. Em Hutyra et al.
(2005) é mostrado que as florestas presentes em áreas com alta freqüência de
secas (> 45% de probabilidade de seca) podem mudar para savana, se a aridez
aumentar como previsto pelos cenários de mudança climática (Cox et al., 2004;
Friedlingstein et al., 2003). Portanto cerca de 600.000 km2 de floresta estarão
em potencial risco de desaparecer (> 11% da área total vegetada).
A floresta amazônica
contém uma grande parte da biodiversidade do mundo, pois mais de 12% de todas
as plantas com flores são encontradas na Amazônia (Gentry, 1982). Sendo assim,
ameaças à existência da floresta amazônica indicam sérias ameaças à
biodiversidade. Entretanto, existem poucos estudos sobre os efeitos das
mudanças climáticas na distribuição de espécies. Em nível global, Thomas et al.
(2004) avaliaram o risco de extinção de espécies para áreas que cobrem cerca de
20% da superfície terrestre, e encontraram que entre 15% e 37% das espécies
estariam comprometidas com risco de extinção até o ano de 2050. Em nível
regional, as simulações de Miles et al. (2004), baseando-se nos cenários
futuros do HADCM2Gsa1 (que assume um aumento anual de 1% na concentração de
CO2), mostraram que 43% do conjunto de espécies arbóreas analisadas na Amazônia
seriam não-viáveis para o ano de 2095. Para que as espécies afetadas possam
atingir novas zonas bioclimáticas, a dispersão e migração deverão ser feitas em
centenas de quilômetros (Hare, 2003). Muitos desses experimentos de modelagem
não têm considerado as influências não-climáticas como as mudanças do uso da
terra, o desmatamento, a disponibilidade de água, as pestes e doenças,
queimadas, e todas as outras que possam limitar a migração e dispersão de
espécies (Case, 2006). No trabalho de Sala et al. (2000), estudou-se a mudança
na biodiversidade para o ano 2100, considerando alguns desses aspectos e
identificou-se que, para os biomas tropicais, os principais agentes que afetam
a biodiversidade são o uso da terra e as mudanças climáticas.
CONCLUSÃO A Amazônia vem sendo submetida a pressões
ambientais de origem antrópica crescentes nas últimas décadas, tanto pressões
diretas advindas dos desmatamentos e dos incêndios florestais, como pressões
resultantes do aquecimento global. A estabilidade climática, ecológica e ambiental
das florestas tropicais amazônicas está ameaçada por essas crescentes
perturbações, que, ao que tudo indica, poderão tornar-se ainda maiores no
futuro. A ciência ainda não consegue precisar quão próximos estamos de um
possível ponto de ruptura do equilíbrio dos ecossistemas e mesmo de grande
parte do bioma Amazônico, mas o princípio da precaução nos aconselha a levar em
consideração que tal ponto de ruptura pode não estar distante no futuro. Um
colapso de partes da floresta tropical trará conseqüências adversas permanentes
para o planeta Terra.
Carlos
A.Nobre, Gilvan Sampaio, Luis Salazar são
pesquisadores do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
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Ciência e Cultura
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Print version ISSN 0009-6725
Cienc. Cult. vol.59 no.3 São
Paulo July/Sept. 2007
4 comentários: sobre MUDANÇAS GLOBAIS
O risco e impactos das mudanças climáticas na Amazônia aumenta ainda mais quando é somado ao aquecimento global, com a alteração da vegetação. Qual o outro fator que, juntamente com o aquecimento global, executa um prejuizo resultante a Amazônia?
24 de abril de 2012 às 19:04(Para o Bioma Amazônico) Em meio a fortes mudanças do clima global, cite as interferências do aumento da temperatura no Bioma Amazônico, ressaltando algumas ações antrópicas que agravam a devastação desse Bioma.
1 de maio de 2012 às 10:10-Quais atividades humanas causam maior perda da biodiversidade na Amazônia? Há políticas públicas para coibir essas atividades?
26 de junho de 2012 às 03:14Quais as principais consequencias negativas ocorrerão com um eventual aumento de temperatura na Amazônia?
26 de junho de 2012 às 19:10Postar um comentário